quarta-feira, 21 de outubro de 2015

CONTANDO A VIDA 128

Sendo historiador de renome mundial, nosso cronista está sempre viajando. Nunca esquecerei o susto que tomei no 11 de setembro, quando pensava que o Prof. Sebe podia estar sob os escombros do WTC!
Hoje ele nos fala um pouco sobre a diferença entre viajante e turista e revela em qual das categorias se encaixa. 


TURISTAS E VIAJANTES...
José Carlos Sebe Bom Meihy
Constantemente ouço reclamações do tipo “professor, onde o senhor está? ” Vezes há em que mesmo meus filhos se perdem em buscas e reclamam por não conseguirem minha localização. O pior, porém, é que isso tem se complicado pelo tipo de tratamento que dispenso a celulares e outros aparelhos “localizadores”. Brincando, costumo replicar que não apenas sou filho de imigrante, de alguém que atravessou mares para chegar ao Brasil, como também lembro que meu pai foi mascate, andarilho, tipo “pé na estrada”. Viajar tem sido minha vida e garanto tal pressuposto baseado na frase de Fernando Pessoa que afiançava “para viajar basta existir”. Aliás, foi o próprio Pessoa que abonou que “navegar é preciso, viver não é preciso”. Apelando para a poesia ou mesmo para o doloroso périplo dos velhos deslocamentos parentais, creio que no fundo, procuro dar certa dignidade ao fato de estar sempre em trânsito, e assim invento uma mitologia caminhante que, afinal, dignifica a agitação sempre latente. A par da imagem poética ou trágica, contudo, existem também aqueles impertinentes – chatos mesmo – que de forma maldosa deixam entrever que há algo de errado, que o viajante foge de alguma coisa, talvez de si mesmo. Seria cômodo dizer que em qualquer dessas observações residem resquícios de verdades. Até porque me apoio em Milton Nascimento; posso repetir que sou “eu caçador de mim”.
Mas há frases importantes para dizer de minha postura frente às andanças. Uma que me perturba sobremaneira é de Mario de Andrade que reza "o importante não é ficar, é viver. Meu destino não é ficar. Meu destino é lembrar que existem mais coisas que as vistas e ouvidas por todos”. Outro dizer que me inquieta remete a Susan Sontag, que reclama do alcance possível de viagens “não estive em todos os lugares, mas está na minha lista chegar lá”. Há autores mais detalhistas que distinguem turistas de viajantes, Paul Theroux, por exemplo, diz “turistas não sabem onde estiveram. Viajantes não sabem para onde irão”. No dizer geral preside a ânsia de desbravar, de novos desafios e paisagens a serem palmilhadas. Há algo de conquista nessas façanhas que combinam desafio e aventura.
Pois é, tais reflexões feitas na maturidade permitem balanço sobre a própria experiência de viajante ou de turista. Aprendi comigo mesmo que não é sempre que gosto de ir para espaços inéditos e desconhecidos. Quase sempre, prefiro voltar a locais que visitei, sítios que se tornaram clássicos em minha memória de cidadão do mundo. Nessas situações, duplico a investida: uma, aos locais escolhidos ou indicados, e, outra, ao meu próprio passado, guiado pelas lembranças colecionadas. Gosto imenso de passar por onde andei e medir o nível de estranhamento ou familiaridade, ver o que mudou ou se as pessoas ainda estão lá. Aprecio também refletir sobre como estava, quando palmilhei aquelas trilhas. Às vezes, o exageradamente extravagante me assusta e me faz inseguro e também não gosto de ir a espaços que assumam radicalismos políticos ou sectarismos religiosos. Acontece, porém, de se imporem casos que independam de escolhas. Talvez, então, seja por instinto que antes de me aventurar em espaços exóticos eu precise ler e me informar melhor, e assim ter certo preparo. Combinar visitas repetidas com descobertas é um segredo quase mágico. Por força da profissão tenho ido a lugares insuspeitados e o interessante dessas aventuras é que temos obrigações que subvertem a noção de mero divertimento. Ademais, sempre que isso acontece, surgem personagens locais, facilitadores de informações que sugerem ângulos interessantes. Meditando sobre tais situações, acabo por entender que não sou turista. Prefiro ser mesmo viajante e assim repetir como Fernando Pessoa “A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos”. 

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