sexta-feira, 24 de maio de 2013

PAPIRO VIRTUAL 55

Destaco o trabalho da escritora Daniela Marchi, que vive em Araçatuba, noroeste do estado de São Paulo.
Pedi à autora que escrevesse minibiografia para que os leitores pudessem conhecê-la. O texto veio tão contundente e confessional que optei por não editá-lo.
Passional foi a palavra que me veio à mente quando primeiro li os escritos de Dani Marchi. Desfrute da biografia e depois da amostra de sua produção poética e em prosa lírica.


Desde pequena, fui uma criança diferente. Falava pouco e me isolava quando minha casa enchia de gente. Nunca gostei de aglomeração, falatórios, barulho, característica que me acompanha até hoje.
Não falava muito, tinha poucos amigos, mas escrevia! E escrevia muito! Caderninhos viviam cheios de cópias de trechos de textos e poesias. Desde que me alfabetizei, aos seis anos, comecei a deixar bilhetinhos de amor para minha mãe e meu pai. Os que escrevia para minha mãe tinham um sentido especial, pois ela sempre foi muito austera e suas duras palavras feriam demais os meus sentimentos. Escrever para ela talvez fosse uma tentativa de amolecer seu coração, o que não aconteceu até hoje, entretanto, surpreendi-me quando, recentemente, descobri que ela guardara muitos destes bilhetinhos, alguns já com as primeiras rimas. Afinal, aquela cara carrancuda escondia algum afeto pela cria...
Já os que escrevia para o papai ele não guardou. Ele não se apegava e nem guardava e nem acumulava nada. Isso eu herdei dele: viva e deixe viver. Nem dinheiro eu guardo e nem decoro minhas poesias; muitas delas perco, porque as rabisco em papéis que somem. Um dia de cada vez. Sou sonhadora, mas não fico fazendo planos e nem me desgastando com o futuro...
Meu pai, um homem ímpar, aos finais de semana, vestia roupinhas gastas e andava de chinelos. A aparência simples guardava cultura e uma bondade inigualáveis. De tudo ele sabia, de música a biologia. De artes a história e até astronomia (epa, rimei sem querer!!!). Quando ouvia músicas clássicas em minha companhia, me falava sobre a biografia do músico e me ensinava a diferenciar os sons dos instrumentos, explicando-me quais eram...
Ao lado do papai a vida era tranquila e colorida e eu adora escrever pequenas crônicas com as quais ele se deliciava!!!
"-Minha filha, você precisa fazer Direito, pois escreve muito bem!" E lá foi a Dani cursar direito apenas para agradar aquele adorável anjo de bigodes e pernas compridas, a despeito de não gostar do curso...
Mas o destino quis que o adorável Alfredo retornasse ao Mundo Maior em 1995. A menina tímida e sonhadora, aos 21 anos, ficou perdida. Mudei-me para Araçatuba com a carrancuda D. Olga no mesmo ano e as letras ficaram esquecidas e deram lugar a lutas imensas para sustentar a faculdade que eu tinha que terminar, eu devia isso ao papai!!! Ia de bicicleta, tomava chuva, era alvo de bullying por ser a 'cdf' da classe mas, enfim, em 1997, conclui o curso sem participar de formatura, bailes e toda aquela pompa!
Nem me imaginava advogada, que chatice!!! Fizera estágios em repartições federais e estaduais, mas não me imaginada lidando com processos enormes e maçantes... Ainda nessa época nada de voltar a escrever, nem um versinho ou prosa. Eu estava ocupada demais num processo de me achar vítima da vida...
No mesmo ano da formatura, inscrevi-me num concurso público por puro medo de ficar desempregada e dura (o estágio da Procuradoria estava no fim), quando então fui aprovada entre os primeiros colocados para exercer uma profissão que, depois descobri ser a minha paixão: escrivã!
Nesta profissão, fazia com maestria e destreza o que eu amava: escrever. Com o tempo e sendo obrigada a enfrentar terríveis plantões, venci o desafio de deixar de lado a timidez e me tornei ótima em lidar com pessoas.
O tempo passou, veio o amor, que passou rápido, mas deixou o filho. Novas lutas para enfrentar, a profissão difícil e criar sozinha o rebento... neste ínterim, a poesia ia e voltava, entretanto, renasceu com toda força em 2010 quando resolvi deixar de lado todas as lamentações sobre o que eu merecia ou não ter passado e resolvi olhar a vida somente com os olhos do otimismo, afinal, eu venci desafios tremendos e conseguia ser mãe, filha, profissional, dona de casa, cuidadora de animais de rua, dona de casa e 'poeteira'! Sim, porque poeta não sou, sou apenas uma amante das letras com riminhas pobres. Mesmo assim, escrever, sejam poemas, sejam crônicas, é algo me que traz intenso prazer. É uma delícia quando, sem querer, aparece uma palavra, uma idéia, e o poema nasce. Vem assim rapidinho, parece que já estava pronto em algum lugar e a minha mente leu e eu escrevi. Isso é bom demais.
Hoje, continuo a Dani solitária e meditativa, mas não mais macambúzia. Sou muito feliz nessa minha vidinha corrida, de muitos gatos, de pouco tempo para mim e poucos mas preciosos amigos, que gostam de meus poemas. Você é uma destas preciosidades, Roberto. A quem admiro pela inteligência ímpar e por ser um gateiro de primeira.
As vezes surgem em minha mente palavras, idéias, que registro num caderno bagunçado de capa dura que carrego comigo. Anoto rapidinho para depois retomar o poema. Alguns, nunca termino. Os que merecem, são registrados! Rssrrsrs...
Aprendi que não preciso me sentir triste por ser diferente. A poesia é minha grande companheira dessa jornada maravilhosa que é a vida...
Recentemente, escrevi três tratados. Um sobre o amor, outro sobre a paixão e outro sobre a amizade. Gostei muito deles e os transcrevi adiante. Também vivo poetizando sobre amores que nunca vivi e o meu poema preferido, 'O Pano do Amor', que coloquei por último, é a maneira como eu me imaginei entregando-me de corpo e alma ao meu grande amor, que nem sei se existe!!
 

TRATADO SOBRE A PAIXÃO
Uma pessoa me disse que não é bom se apaixonar
Como assim?
De que maneira a vida ignorar?
Deixar passar a existência
Sem uma paixão para sustentar?
...
Que me perdoem os céticos
Que discordem os práticos
Vida sem paixão
Fica sem eira e nem beira
É barco sem timão
...
Eu sou daquelas pessoas que se apaixona fácil
Por amigos
Por animais
Por músicas
Por coisas ditas banais
Se toca minha alma
Se me eleva
Vira paixão, fica tátil
Quero agarrar
Quero viver
...
Tem gente que evita paixão pra não sofrer
Isso é desculpa de fraco
Porque sofrimento é parte da vida
Só é preciso saber sofrer
Fazer o sofrer menos doído
Tirando dele o aprendizado, a reflexão
Insisto que a culpada não é a paixão!
...
A paixão impulsiona muita coisa
Ela nos motiva a mudar
Nos faz arrojados
Experimentar o incrível
Inovar!
...
Quem não tem paixão
Vive sem razão
Qual é a graça de se conter?
De não correr para um abraço?
De não encher de beijos a pessoa amada
ao entardecer?
...
Quem não se apaixona
Está com alguma coisa errada
Melhor logo se emendar
Para a vida não virar cilada
...
Não se apaixonar é como não ver as cores do mundo
Com a paixão, as texturas são mais macias
Os odores mais deliciosos
Os carinhos, mais blandiciosos
...
Fica dito por mim aos ventos
Que sem paixão eu não vivo
Ainda que eu sofra, quero senti-la
Vivê-la
E dela construir um amor
Seja a qual custo for!
...
E que qualquer carícia
Qualquer beijo
Oxalá sejam sempre acompanhado da paixão
Porque a vida é linda demais
E não merecem migalhas
As pessoas que, como eu,
Querem amar de coração!

Dani Marchi, 19-01-2013.


TRATADO SOBRE O AMOR (em prosa)
Você não nasceu para seguir uma programação. Você é criação de Deus. Não é comum, não é mais um.
Você é único e, sendo assim, deve ser inovador, adotar empreendedorismo na maneira de viver.
Acenda sua chama íntima e desabroche para sua existência. Viva intensamente os bons sentimentos, faça do aprendizado do amor um ritual diário de louvor ao Todo.
O aprendizado do amor se dá com a prática. Amor verdadeiro é desapego. Imagine-o como um pássaro, que nasceu para ganhar os céus e atá-lo numa concha entre suas mãos é um desrespeito à natureza divina. Não que eu seja uma especialista; esta do pássaro, por exemplo, aprendi com um amigo. Eu, como vocês, estou galgando degraus deste aprendizado.
Seja como for, é preciso prática e disciplina: quando perceber que o ciúme e o egoísmo tomam conta, recue e lembre que o Universo traz de volta o que você dá a Ele, então, se quer um amor feliz, em qualquer instância, sentimental, familiar, na amizade, DESAPEGUE, deixe viver, deixe passar.
As pessoas andam tão carentes e deficientes da ideia de amor, que pensam que estar junto, conviver (o que, muitas vezes é suportar), seja amor e companheirismo. Quando pessoas se unem por conta das conveniências e das superficialidades, acontece que, o que seria amor, vira pseudo-tolerância e disputa, quando cada um procura prevalecer sobre o outro. Isso acontece porque, cada vez menos, buscamos afinidades profundas, ESPIRITUAIS. Olha-se para o corpo, o patrimônio, a conveniência familiar, além de que, acabamos cedendo às pressões da sociedade, então, ao invés de esperar pelo amor certo, criam-se laços artificiais. Tolerar em silencio não é amar. Amar é usufruir do prazer do reencontro de uma alma afim e da delícia da troca de informações de quem, há muitas reencarnações, aguardava por esse sublime momento: o de amar.
Amor filial, amor fraternal, amor-amizade, amor romântico, amor universal. Podemos transitar tranquilamente por todas as escalas do amor, respirando o ar puro da bondade, se abandonarmos o personalismo e passarmos a caminhar juntos, apoiando-nos, aprendendo e ensinando, com suavidade.
Quero amar, mas não aceito pouco amor. Por isso, amo em excesso. Não é ruim, como dizem. Traz angústias se você cria expectativas. Se você nada esperar em troca, além da satisfação de dar o amor, criará uma redoma áurica que o protegerá das decepções. Amor é isso, acima de tudo: amar mesmo quando não se é amado a contento.
Estou aprendendo isso com a vida e declaro que, a cada dia que passa, amo mais e mais viver esta deliciosa loucura que é o amor. Amo a vida, amo a família, amo os animais, amo estar viva, cada vez com mais intensidade. E não aceito amar pouco! Quero amar demais. Que isto traga sofrimento, como disse o poeta? Pode ser! Mas amando, faço girar a energia mais potente e transformadora que existe e, só isso, já me faz valer o privilégio de ser filha do Todo e estar encarnada nesse Planeta.

Amo todos vocês.
Daniela Marchi, 20-01-2013.


TRATADO SOBRE A AMIZADE

Não existe algo mais abrangente
De tal profundidade
Que uma sincera e deliciosa amizade
...
Muitos amores se apagam
Muitas paixões se diluem, posto que eram apenas desejos
Mas as amizades são perenes
Deixam nos corações marcas indeléveis
De momentos benfazejos
...
Minha força são meus amigos
Amigos presentes
Amigos virtuais
Nenhum superficial
Nunca de meu pensar ausentes
...
As amizades sinceras, são raras
Mas não são quimeras
São tesouros bem guardados
Descobertos assim que valorizados
...
Expressão do amor universal
Amizade pode vir do amor, da paixão
Ou ser fraternal
Pode ocorrer entre diferentes
Que se descobrem iguais
Porque existe o abençoado liame
Afinidades entre almas e mentes
...
A fé move montanhas
E eu acho que a amizade também
Quem nunca, de um grande amigo,
Não recebeu uma preciosa ajuda
Que lhe fez um fez um enorme bem?
...
Ah, os abraços dos amigos
As doces palavras
Quem realmente vive a amizade plena
Tem a mente serena
A certeza de que será amparado
Por aquele amigo, que estará sempre a seu lado
...
Amizade não oprime, não denota ciúme
Quando verdadeira, desprendida
É qual notícia alvissareira
Faz flutuar
Eleva o espírito ao cume
...
Este poema é para vos homenagear
Para que dizer-lhes que, graças a vocês
Meu mundo não é vazio
E que a minha poesia flui melhor
Porque os tenho como amigos
E que seus sorrisos
Suas letras
Seus afagos
Fazem do meu existir
Um paraíso de amor e campos floridos.

Daniela Marchi – 25-01-2013.


O PANO DO AMOR
Tive um sonho ímpar
De numa tarde dourada
Por clima tépido banhada
Ver-te materializado a meu lado
 
Em nossa bolha dimensional
Isolamo-nos de todas as agruras
Deixamos para trás os atrasos
Entregamo-nos às nossas ternuras
 
Na Índia, sob as bençãos de Parvati
E o céu por testemunha
Vibramos nosso amor às margens do Yamuna
 
No meu vestido hindu, de motivos bordados
Fito teus olhos marejados
Abro os botões e me dou por inteiro
E o vestido vira o pano do amor, espalhado no outeiro
 
Nossos corpos se rimam, enquanto as almas se afinam
O serpentear da energia da terra, em conjunção com a luz da Nova Era
 
No beijo, o néctar
No toque, a textura
Do acontecimento, inimaginável sinfonia
Nas notas, virtuose maestria
 
Enquanto o Sol se dilui na água
E a Lua serenamente irradia
Abandonamo-nos ao suave remanso
Preenchidos neste amor, que se consuma em poesia.
 
Daniela Marchi, 09/11/2012
 

Um comentário:

  1. Roberto, ser chamada de escritora por uma pessoa de seu gabarito intelectual é algo que não tem preço! Merecer um espaço aqui no seu blogue tirou-me as palavras. Muito grata, meu amigo.

    ResponderExcluir