quinta-feira, 20 de maio de 2010

SATÉLITE IRAQUIANO

Roberto Rillo Bíscaro

Lakposhtha hâm parvaz mikonand (2004; Tartarugas Podem Voar, em português) é uma co-produção Irã-Iraque dirigida pelo iraniano Bahman Ghobadi. È um daqueles filmes de deixar a gente de queixo caído.

Iniciar o texto adiantando a conclusão, parodia a estratégia do cineasta, que abre o filme nos mostrando o destino trágico duma das personagens, que se atira dum penhasco. O tom de desespero, que inicia a produção, permeará a narrativa, mas não se constituirá em seu todo.

A história se passa num campo de refugiados na fronteira entre Turquia, Iraque e Kurdistão, durante o genocídio patrocinado por George W. Bush. As personagens centrais são crianças e adolescentes, muitos deles amputados, que vivem de desarmar minas terrestres, vender sucata da guerra e fazer pequenos biscates pra sobreviver no violento e triste mundo da “guerra contra o terror”.

Um dos protagonistas é o pré-adolescente apelidado Satélite, devido a seu amor pela tecnologia, pela língua inglesa, pelos produtos culturais norte-americanos, por Bush (“ele tem o mundo em suas mãos”) e pelos EUA. Líder dos jovens do local, Satélite domina algumas palavras em inglês (bobagens como os números e clichês como “all right”) e coordena a instalação de ultrapassadas antenas parabólicas, a procura por metal proveniente de minas e munição. Otimista contumaz, acredita que tudo estará bem nas mãos dos salvadores norte-americanos.

O contraponto pra Satélite é a jovem suicida Agrin - traumatizada após ter sido estuprada por soldados – e seu irmão sem braços devido a seu trabalho como coletor de minas terrestres. Agrin e seu mano zanzam pela região com um infante quase cego, provavelmente resultado do estupro da garota.

A relação entre Satélite e o núcleo de Agrin desencadeará reações no jovem americanizado, o qual pagará alto preço por seu desmedido apreço pelo inimigo invasor.

A capitulação de Satélite ao canto da sereia da indústria cultural colonizadora e sua posterior constatação de que não basta ter TV via satélite ou saber inglês pra ser considerado um “igual” funciona como metáfora perfeita nesses tempos onde globalização tem sido definida por alguns como americanização.

A cinematografia de Tartarugas Podem Voar é daquelas que grudam na cabeça e nos olhos do espectador. Crianças amputadas e ambientes decrépitos contrastam com petizes alegres e cenários de beleza esplendorosa, construindo uma relação de dolorosa ironia dramática. Como pode haver tanto sofrimento perante tanta poeticidade e beleza?

Mas, há e o diretor iraniano magistralmente captou a inocência infantil temperada com necessidade de sobrevivência, o perverso lirismo de alguns cenários inspirados pela guerra, o desespero e desesperança e lindas meninas correndo por entre paisagens nevoentas e a perturbadora visão de crianças se divertindo em depósitos de munição.

Um filme de deixar a gente de queixo caído!

Encontrei 2 versões no You Tube. Uma dublada em espanhol:

Outra no idioma original, com legendas em inglês:

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