quarta-feira, 3 de agosto de 2011

CONTANDO A VIDA 45

Nesta quarta, o Professor Sebe conta como o mais recente filme de Woody Allen exerceu efeito de madeleine proustiana nele.


MEIA NOITE EM TAUBATÉ.
José Carlos Sebe Bom Meihy
para Renato Teixeira


Saí do filme de Woody Allen flanando. “Meia noite em Paris” é uma viagem prá lá de feiticeira. Mergulho profundo no melhor da imaginação, tudo cativa na construção hipotética dessa nostálgica volta ao passado. Como se lançasse sonda nas fissuras do pretérito perfeito, aristotelicamente buscando “como poderia ter sido”, a narrativa permite perscrutar um tempo, perdido. Devaneio. É verdade que o filme contradiz a exatidão da origem do tempo ideal e ele mesmo nos leva a suposição de anterioridades, mas isso interessa menos. Vale pensar nos momentos elevados da determinação de nossa realidade traída por banalidades, consumismos e erudição inútil. Tudo demonstrado na trama de personagens identificados com exterioridades tolas. No caso do filme, cabe retomar a oportunidade criada por Allen que, percebendo o andamento atual, de depressão da sociedade norte-americana, permitiu-se uma fuga de espaço e tempo para a Paris encantada dos anos de 1920. É verdade que o autor, diretor, roteirista já havia feito isso na década de 1980, quando propôs em “A Rosa Púrpura do Cairo” que a personagem encenada por Mia Farrow encontrasse algum alento no escurinho do cinema – é imorredoura a cena do personagem saindo da tela para dialogar com a desencantada moça da platéia. No caso de “meia noite” é o personagem central, interpretado por Owen Wilson, que, às doze badaladas, como versão masculina da Cinderela, entra não em uma carruagem que o leva ao baile, mas num carro antigo que o permite visitar os salões imaginários do passado. E quem encontra lá? Nada mais, nada menos do que as figuras descritas por Ernest Hemingway em “Paris é uma festa”. A incrível recriação de tipos como Fitzgerald, Picasso, Cole Porter, Buñuel, Dali e principalmente Gertrude Stein promove delírios. Esse é um dos momentos em que o cinema consagra a condição de sétima arte.

Depois de ver o filme, na segunda vez, procurei um café recôndito e me sentei em meio à fosca luz. Deixei-me levar. De maneira suave,permiti-me flanar àcata de certo passado. Primeiro, lembrei-me de conversas antigas com Renato Teixeira e quase emocionado recobrei a criação de um primeiro musical que ele compôs com o irmão Roberto. “Samba em três tempos”... “Samba em três tempos” era o nome dado a um roteiro onde remontava momentos de definição do ritmo (“Pelo telefone”), indo para Noel, e naquele então a “nova fase” era inaugurada com “Carcará”, que o Renato cantava em pé. Naqueles dias,eu era diretor cultural do Taubaté Country Club e ainda muito jovem, adivinhava no querido amigo a dimensão de sua longa estrada nacional. Dessa recordação, outras vieram e também permeadas pela presença do caro violeiro. Recordo de uma conversa nossa sobre o amado professor Cesídio Ambrogi e ainda vejo em minha memória a janela aberta, da casa de esquina onde, dentro de moldura azul e com uma lâmpada ininterruptamente acesa, o mestre escrevia suas crônicas. Da mesma forma, me emocionei ao lembrar os escritos de Judith Mazella Moura. Daí para as aventuras no “Estadão”, o colégio, foi um pulo. E os velhos professores: Bartholo, Fábio Moura, Miguelão, dona Anésia, dona Branca, dona Beatriz. Como esquecer o diretor amorosamente apelidado de Cuco... elee tantos outros.
Meus olhos iam aos poucos se afogando ao recordar figuras como padre Evaristo, Julio Guerra, Nhonhô Cassiano, a louca Isaura da Chave, o solene doutor Pato, a elegante dona Adélia Simi. Os lugares desafiavam lembranças: a Sorveteria Raphael (com ph), a papelaria Casa Matos, o terminal do ônibus Roman no largo do Mercado, a Leiteria Cristal, o bar do Alemão, Pizzaria Ideal, Padaria Americana... Ah! o meu largo do Mercado. Os barulhos daquela Taubaté insistem em meus ouvidos: os pardais da praça no final de tardes, os fogos tão constantes, o barulho das cigarras nos novembros calorentos, as badaladas dos sinos quando alguém morria e... e as canções do Renatinho (“feira de trocas, coisas soltas pelo chã...”). E os gostos, sabores e cheiros da cidade?! O amendoim torradinho comprado na entrada do Palas, a pipoca da praça, a paçoca do mercado nas santas semanas. Sobretudo,recobro a delícia do cural de milho verde e dos pasteis: “sabores d’outrora” diriam os poetas.
O tempo fluiu. Fluí com ele. Transportado para meu passado idílico, apenas consegui voltar graças è lembrança sempre jocosa de que Taubaté é uma cidade aproximada de Paris por todos os lados: PARISbuna, São Luiz do PARIStinga,APARIScida do Norte e, antes do fim do encanto, dei graças a este filme, que deu licença a esta crônica chamada meia noite em Taubaté. 

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