Albinismo no Brasil: algo por comemorar?
Maria Inez Montagner e Miguel Ângelo Montagner
Comemora-se anualmente, no dia 13 de junho, desde 2015, o Dia Internacional de Conscientização sobre o Albinismo. A data promulgada pela Organização das Nações Unidas pretende dar luz e minimizar, ao mesmo tempo, a discriminação e a consequente violência cometidas contra pessoas com albinismo. A comemoração busca ainda promover a inclusão social deste grupo e afirmar seus direitos. A violação dos direitos humanos desta população em vulnerabilidade é uma constante e a estigmatização da condição albina uma representação social comum em muitos países.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) posiciona o albinismo na Classificação Internacional de Doenças (CID-11) na sigla EC23.2 e o descreve como “grande grupo de doenças hereditárias em que a produção cutânea de melanina é reduzida ou ausente” 1. Dada à ausência completa ou parcial da melanina, as pessoas com albinismo têm como características dominantes a pele muito clara (de branco leitoso a tons translúcidos), além de cabelos, cílios e demais pelos do corpo e olhos extremamente claros. Costumam apresentar dificuldade visual, baixa visão, movimentos involuntários dos olhos e fotofobia2.
O albinismo não é uma doença, mas uma condição genética que pode atingir qualquer pessoa. As limitações desta condição estão muito mais ligadas à falta de preparo de profissionais da saúde, no que tange a respeito de informações e tratamento sobre as possíveis complicações nos olhos e na pele. Com os profissionais da educação falta a compreensão que não há comprometimento da competência intelectual, apenas a baixa visão que dificulta a realização de algumas atividades dentro e extraclasse. Essas incompreensões acabaram por refletir na vida profissional dessas pessoas, criando estigmas dolorosamente relacionados com a aparência física e com a impossibilidade de progredir na carreira.
Quem e quantos são os albinos no Brasil e quais as suas necessidades? Ainda hoje, as estimativas epidemiológicas são lacunares, aleatórias e pouco significativas, dada a inexistência de um mapeamento epidemiológico por meio de registro de base populacional nas bases governamentais. A estimativa mais aceita é aquela que aponta a frequência de 1:20.000 pessoas com albinismo no mundo. O albinismo é até os dias de hoje permeado de discriminação e estigmatização que impedem o devido usufruto dos direitos constitucionais de saúde e bem-estar3.
Temos importantes espaços voltados à pesquisa, ao cuidado e ao tratamento, mas ainda não são suficientes para se conquistar os merecidos direitos e se progredir rumo à equidade. Além das questões biomédicas, o albinismo apresenta forte conotação simbólica e move representações acerca de seu significado.
Em uma revisão integrativa de estudos sobre o albinismo recente4, constatamos que o simbolismo cultural é profundamente enraizado em mitos, lendas e crenças antigas, o que contribui para estigmatizações e discriminações, além de ser utilizado para justificar atos de violência. Em outro artigo, entrevistou-se pessoas albinas no Brasil, e construiu-se uma biografia coletiva deste grupo. Ela indicou que durante a trajetória social do indivíduo, o preconceito e a estigmatização são experiências vivenciadas desde o momento do nascimento e se prolongam por toda a vida, sob as mais diferentes formas desde negligência até o ostracismo. As violações dos direitos jurídicos são frequentes e as legislações muitas vezes não são efetivamente cumpridas, tornando-se mera letra morta. É crucial assegurar junto a esta população a efetivação de políticas públicas e práticas sociais com base na equidade, dignidade e justiça social5.
O que comemorar?
Uma grande conquista, que visa suprir essa carência foi a instituição da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas com Albinismo, publicada mediante a Resolução nº 725, de 9 de novembro de 20236. Esta política, oriunda do Conselho Nacional de Saúde (CNS), ficou estruturada em dez eixos estratégicos que buscam abarcar as demandas e necessidades dessa população. O eixo I propõe “realizar o diagnóstico situacional de saúde, contendo o mapeamento estratificado de todas as pessoas com albinismo nos estados e municípios”, algo crucial para melhor dimensionar ações futuras de prevenção e promoção da saúde6 .
Outra grande vitória é a Lei 15.140/25, sancionada em 29 de maio de 2025, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Albinismo7. Esta lei promove o “acesso ao atendimento oftalmológico especializado, assim como às lentes especiais e aos demais recursos de tecnologias assistivas — equipamentos óticos e não óticos — necessários ao tratamento da baixa visão e da fotofobia”. Como objetivos, ela prevê a construção de um cadastro nacional desta população e a consequente definição do perfil epidemiológico desta população, a estruturação de uma linha de cuidados no SUS, com a organização do fluxo da assistência à saúde e a correlata formação e capacitação dos trabalhadores do SUS para lidarem de forma integral com os aspectos da atenção à saúde das pessoas com albinismo.
Há muito a avançar para retirar essa população da vulnerabilidade, mas dois importantes passos foram dados, agora nos cabe acompanhar ativamente este processo de implementação dos direitos propostos pelas políticas públicas.
Referências
1. World Health Organization. ICD-11 International Classification of Diseases 11th Revision The global standard for diagnostic health information 2022. Disponível em: https://icd.who.int/browse/2024-01/mms/pt. Acessado em 07 junho de 2025.
2. Pereira DFL, Araujo EL, Patuzzo FVD. Perfil do paciente albino com visão subnormal e melhoria da acuidade visual com a adaptação de recursos ópticos e/ou eletrônicos. Revista Brasileira de Oftalmologia. 2016;75(6):456-460.
3. Ero I, Muscati S, Boulanger A-R, Annamanthadoo I. Pessoas com albinismo no mundo: uma perspectiva de direitos humanos. Assembleia Geral das Nações Unidas. 2021. Disponível em: https://www.ohchr.org/sites/default/files/Documents/Issues/Albinism/Albinism_Worldwide_Report2021_PT.pdf. Acessado em 07 de junho de 2025.
4. Mendes, D. S. G. J, Montagner MA, Montagner MI, Alves SMC, Delduque, MC. Albinismo: uma revisão integrativa dos seus aspectos epidemiológicos, simbólicos e dos direitos sociais. Ciência &Saúde Coletiva, mar. 2025. Disponível em: <http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/albinismo-uma-revisao-integrativa-dos-seusaspectos-epidemiologicos-simbolicos-e-dos-direitossociais/19564?id=19564>. Acessado em: 20 abr. 2025.
5. Mendes, D. S. G. J, Montagner MA, Montagner MI . “A condição genética me constitui, mas não me define”: uma biografia coletiva de pessoas com albinismo no Brasil. Saúde Soc. São Paulo, v.34, n.2, e240795pt, 2025.
6. Brasil. Ministério da Saúde. Resolução nº 725, de 09 de novembro de 2023. Aprova a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas com Albinismo. Disponível em: https://www.gov.br/conselho-nacional-de-saude/pt-br/atos-normativos/resolucoes/2023/resolucao-no-725.pdf/view. Acessado em: 07 de junho de 2025.
7. LEI Nº 15.140, DE 28 DE MAIO DE 2025. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Albinismo. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2025/lei-15140-28-maio-2025-797503-publicacaooriginal-175484-pl.html. Acessada em: 05 de junho de 2025.
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