quarta-feira, 15 de setembro de 2021

CONTANDO A VIDA 357

CHAMPAGNE, VINHOS: “enosnobs”, “enochatos” e “enonerds”.


José Carlos Sebe Bom Meihy

Para Ana Regina

Foi assim: havia terminado um longo trabalho, anos de pesquisa, meses de escrita, noites acordado, enfim, exaustão absoluta. Amigos que acompanharam de longe o percurso, resolveram comemorar minha volta à vida e marcaram reunião virtual. Armado o encontro, chega à minha porta uma belíssima cesta de pães variados e patês, e, claro, um espumante. Hora combinada, ligamos nossos computadores e a festa começou, cada qual em seu quadrado. Fiquei emocionado, emocionadíssimo em ver aquele grupo rendendo-me homenagem.

Em determinado ponto, achei apropriado fazer um pequeno discurso de agradecimento. Contei de meu estado de espírito, declinei as dificuldades, exaltando o companheirismo de todos, condição que me permitiu concluir a missão. Tudo ia bem até que avisei que ia abrir a “garrafa de champagne”. Um silêncio se alongou até que um dos “presentes” resolveu explicar que não se tratava exatamente de “champagne” e sim, de espumante. Pronto, o que seria reunião festiva virou aula.

Com paciência, tive que ouvir a dissertação sobre um tipo de vinho de uma região que fica exatamente a 154 quilômetros de Paris. Fui avisado que Champagne é o nome do lugar que, aliás, tem solo alcalino capaz de produzir uma uva especial. A lição era bem completa e constava de dados sobre a fermentação daquele vinho que, depois de engarrafado, produzia uma segunda fermentação natural. Pois bem, notando a empolgação do “professor”, outro parceiro, querendo ser mais leve, tomou a palavra narrando a história de Dom Pérignon, um religioso que há cerca de 350 anos fora responsável pelas adegas da Abadia de Hautvilleres. A nova preleção dava conta que o tal abade era cego e ao provar o vinho teria dito uma frase marcante “venham rápido irmãos, venham beber estrelas”.

Estava dada a largada a uma série de dizeres sobre champagne, algumas delas saídas da boca de uma amiga que juraria estar mais para freira do que para sommelier. Mas, como se animou ao revelar que Coco Chanel era tão chegada, que cunhou uma outra pérola memorável “Só bebo champanhe em duas ocasiões: quando estou apaixonada e quando não estou”. E imediatamente emendou outra, atribuída a atriz Bette Davis “Chega o momento da vida de uma mulher em que a única coisa que ajuda é uma taça de champanhe”.

O duelo seguia firme até que um terceiro participante proclamou frases de estadistas chegados ao produto, uma de Napoleón Bonaparte “Champanhe! Na vitória você o merece, na derrota você precisa dele”, outra de Winston Churchill “Lembrem-se, Senhores: Não é pela França que lutamos, é pelo champanhe!”.

Gente, comecei a me sentir mal. Bateu-me a sensação de ignorância, intruso, me vi um pária do “enomundo”. Simplismos à parte, depois de aberta a garrafa e vertido o espumante (atenção, não era champagne), na solidão de meu recolhimento, decidi buscar explicações no Google. Aiaiaiai, por quê? Comecei ler tanta coisa, mas tanta, até que, por fim, achei algo que realmente me cativou: definições sobre uma tendência crescente na sociedade, os “enosnobes”. Deitei e rolei.

Meu primeiro regozijo veio pela origem de “esnobe”, do latim “sine nobile”, adorei saber que a expressão “sem nobreza” passou para a língua inglesa como snob e daí copiamos para esnobe, significando exatamente o diverso. E “enosnobe” é a reunião de dois ramos de “apreciadores” de vinhos: “enochatos” e os “enonerds”.

Dei estrada às diferenças e aprendi mais um capítulo dessa história. O “enochato” é aquele que, em público, assume a cara de Deus no Juízo Final, e com uma taça (sempre cheia na medida exatíssima) a coloca contra a luz, sacode levemente cinco vezes, da esquerda para a direita, e depois à altura do nariz aspira e emite algo como “aroma amadeirado, coloração córea, leveduras marroquinas, com notas de cânfora”.

O “enonerd” é um pouco diferente: mais completo, pois seu discurso se completa com definições sobre o ano da safra, tipo de madeira dos tonéis, tempo de armazenamento, a qualidade da rolha, histórico da garrafa e do rótulo. Creio que o “enonerd” precisa humilhar, posto que um de seus capítulos preferidos se refere ao custo do precioso líquido. Um detalhe fundamental para o “enonerd” é seu conhecimento geográfico, sendo capaz de precisar se o vinho é australiano, sul-africano ou libanês.

Sabe o que concluí disso tudo? Vou descansar um pouco e voltarei a campo para escrever mais sobre a alegria de um bom vinho na companhia de ignorantes, de gente como eu, que não entende disso. Juro que farei tudo para não entrar no “enomundo” dos “enoidiotas”.

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