quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022

CONTANDO A VIDA 375

ROBERTO CARLOS, OUTRA VEZ...


José Carlos Sebe Bom Meihy

Sabe, tenho relação pendular de admiração e crítica ao “Rei Roberto Carlos”. Não chega a ser algo na base do “amor ou ódio” ou do “ame-o ou deixe-o”, mas causa perplexidade e me faz pensar. Antes de mais nada, deixe-me dizer que sou apreciador do gênero brega, não perco os “especiais de fim de ano” e enlevado em frente da televisão espero o lançamento das rosas vermelhas no final dos shows. Cafonices à parte, gosto daqueles lances meio estranhos como “sou amante a moda antiga, do tipo que ainda manda flores” e devo confessar inclusive que chego às lágrimas com algumas canções pop/religiosas como “Nossa Senhora, me dê a mão” e até me pego balbuciando “Jesus Cristo, Jesus Cristo, eu estou aqui”. E como não ver graça quando apela para “os erros do meu português ruim” ou se posiciona “debaixo dos caracóis dos seus cabelos”. Mesmo aquela passagem dos “botões da blusa que você usava e meio confusa desabotoava”, até isto, eu deixo passar impunemente.

Mas – sempre tem um “mas” fatal, né?! – Mas, no meu caso, o que pega é a encrenca que ele armou com o excelente biógrafo e admirador, com o maior estudioso de sua vida, o analista mais arguto de sua produção musical, Paulo Cesar de Araújo. Tenho motivos de sobra para defender o autor do “Roberto Carlos em detalhes”, livro lançado em 2006. Sobretudo, por se tratar de obra exemplar sob o ponto de vista editorial e com conteúdo irretocável, esse livro se coloca entre os melhores textos analíticos de nossa cultura tão pouco dada às biografias. Confesso que o quilate do livro do Paulo Cesar não me causou surpresa, pois dele já conhecida uma publicação anterior “Eu não sou cachorro não: música cafona e ditadura militar”, de 2002. Desde então, acompanho as peripécias deste pesquisador incansável que, aliás, situa-se entre os melhores críticos musicais do Brasil.

É muito difícil compreender por que o “Roberto Carlos em detalhes” virou complicação. O fato é que a contenda do poderoso Rei provocou o maior e mais consequente processo sobre autoria biográfica da nossa história. Todos devem se lembrar da polêmica que se arrastou por anos – durou até 2015. Foi grande o nó atado pelo Rei, amarrando-o definitivamente ao seu súdito mais devotado. Tudo porque, Roberto Carlos se viu acima da lei, poderoso suficiente para achar que poderia usar a tesoura própria para censurar um texto produzido para homenageá-lo. Argumentando “invasão de privacidade”, e dizendo-se “dono da própria vida”, o Rei não conteve fúria para impedir a circulação do livro que, apesar de retirado de circulação pode ser acessado gratuitamente pela internet. E aquele foi um embate desigual: de um lado o biografado contando com o melhor aparato “de defesa”, advogados famosos, apoios prestigiados, e de outro o biógrafo que precisou ir ao Tribunal - de Niterói onde mora para São Paulo onde a ação fora ajuizada - de ônibus por não ter como arcar com as despesas.

O notável é que, mesmo assim, Paulo Cesar ganhou a causa em parecer importantíssimo exarado pela Ministra Carmem Silvia do Supremo Tribunal Federal. Convém lembrar que, desmedido, o Rei demandava indenização exorbitante, além de pedir a prisão do biógrafo por dois anos. Isso aos brados, alardeando “vocês pensam que podiam mesmo publicar essa biografia sem minha autorização? Com eu(sic) aqui, vivo?”

Algo teimoso, para nossa felicidade de leitores, isso motivou Paulo Cesar a registrar seu ponto de vista, e em 2014 lançou “O réu e o rei – minha história com Roberto Carlos, em detalhes”, páginas tradutoras de rara fineza explicativa. Para gaudio do público, agora, o mesmo Paulo Cesar coloca nas livrarias dois volumes de nova façanha biográfica, intitulada “Roberto Carlos, outra vez”, páginas escritas a partir de canções testemunhais da vida do Rei. Enquanto espero a oportunidade de leitura, pensando na trama que implica os dois lados dessa moeda agridoce me vem à cabeça uma espécie de trilha sonora, que certamente inspirou o biógrafo a se apropriar da canção que serve de mote ao título, composta pelo Rei com Isolda Bourdot, e que acompanha o roteiro que, tomara, continue iluminando os dois: “você foi o maior dos meus casos/ de todos os abraços/ o que eu nunca esqueci/ Você foi, dos amores que eu tive/ o mais complicado e o mais simples pra mim/ Você foi o melhor dos meus erros/ a mais estranha história/ que alguém já escreveu/ E é por essas e outras/ que a minha saudade faz lembrar/ de tudo outra vez...

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