quarta-feira, 27 de novembro de 2019

CONTANDO A VIDA 291

A ÁRVORE E A VIDA, A VIDA COMO ÁRVORE.


José Carlos Sebe Bom Meihy

Pois é, bastou optar por nova leitura crítica da Bíblia para que os efeitos da apreciação se irrompessem como ramos de árvore frondosa, dessas admiráveis pela formosura, tamanho e vitalidade. E como a proposta era exercitar complexidades, a começar pela semente, estava proposta uma aventura desdobrável. Devo dizer que sempre senti estranho fascínio pela Sagrada Escritura. Desde garoto, lembro-me de passagens que me encantaram, e casos como a Arca de Noé, Daniel na cova dos leões, a relação de Balaão com seu jumento que falava, tudo junto, fez com que percebesse no Livro diretor do cristianismo a maior e mais exuberante fonte de imaginação. Tudo está lá: amor, ódio, intriga, perdão. E nem há mitologias ou épicos comparáveis. Para mim, nem os gregos, romanos, incas ou egípcios superam as prolíferas narrativas. Sequer a Ilíada ou a Odisseia de Homero com as peripécias de Ulisses, se comparam. A Bíblia é insuperável... E não estou falando apenas de seus efeitos religiosos, pois comparável com outros textos sagrados é, em termos de alegoria, superior ao objetivo Torá (judaísmo), ao pedagógico Alcorão (islamismo), ao discreto Mahabharata (hinduísmo) ou ao Dhammaparta com os provérbios de Siddharta. Sei que preside algo de profano neste tipo de abordagem, mas, por favor, perdoem-me. É irresistível e que presida a certeza de que não promovo leitura herética.

Leva já algumas semanas que estou ancorado no Gêneses e não poderia ser de outra forma. Além de pálida escolha de textos analíticos e paralelos, procedi a um passeio pelas retomadas do casal matriz, Adão e Eva, e aprendi que decorridas mais de 150 gerações desde aquele então, passamos por artistas como Michelangelo, Dürer, Rafael, Rembrandt, Shakespeare, La Fontaine, Freud, Hemingway, Bob Dylan, entre muitos outros. Diria que dentre tantos aspectos analisáveis, um chamou-me mais a atenção: a metáfora da árvore. Por que será que Deus escolheu a árvore como testemunha da origem do pecado? E por que a fez suporte para a serpente tentar Eva? De toda forma, sem nenhuma dúvida, a árvore se tornou protagonista das duas mais consequentes marcas humanas: o erro e a culpa. E desde então a árvore tornou-se metáfora e alegoria importante para tudo na vida. Sob a rubrica intelectual, este tema é abordado com profundidade no texto “Mil Platôs” assinado pela dupla Deleuze e Guattari, pais da nova crítica francesa e afirmadores do pós-modernismo. 

Comecemos pela denominação bíblica “árvore da vida” ou “árvore do conhecimento”. Segundo o relato dos momentos inaugurais do Éden, Deus teria criado a árvore para que depois da procriação, os filhos de Eva pudessem se alimentar pela eternidade na alegria da paisagem divinal. Logo tentados, os dois – primeiro ela, depois ele – não resistiram e desobedeceram ao Todo Poderoso comendo o fruto proibido. Expulsos, tiveram com seus descendentes que “ganhar o pão com o suor de seus rostos”. Estava inventado o trabalho para o sustento. A noção de “árvore genealógica”, aquela que define as sucessões familiares decorre disto. O registro de antepassados com nascimentos e mortes, além de casamentos e descendência é prova da modelagem arbórea. Com certeza a metáfora da semente é garantia do uso da árvore como exemplificação de potencialidades. A mensagem passada é que a fertilidade da terra permite pensar a germinação que, aliás, garante um dos dizeres mais constantes “a boa árvore dá bons frutos” e tudo depende da semente. A noção de “tronco” é óbvia e na mesma lógica fala-se da ramagem, das flores e dos frutos. É evidente que os benefícios da árvore frondosa se multiplicam como local onde pássaros constroem, preferentemente, seus ninhos e servem de ambiente para as crias. O mesmo se diz de alguns roedores e assim conclui-se que, como metáfora ou alegoria, a árvore é justificada como recurso dos mais usados. Em relação às flores e frutos nem é necessária maior exploração.

Como se propõem críticas à leitura bíblica, por certo cabe relacionar a árvore à condição fixa, ou seja, a planta que não se move, que permanece presa ao solo. O progresso da leitura sagrada, no entanto, sugere novos olhares. É quando então se contrapõem as funções dos filhos de Adão e Eva, Caim e Abel. Amaldiçoado pelos genitores, Caim é expulso do meio familiar e sai errando pelo mundo. Abel, abençoado é premiado com lavoura fixa. Em termos de tradução moral, Caim é desgraçado, pois tem que desdobrar o castigo dos pais que tiveram que perder as delícias do Paraíso. Abel, filho premiado ganha o direito de ficar e assim se torna personificação da árvore. Caim, o filho mau, teve que ganhar o mundo e com ele se abre outra aventura metafórica ou alegórica: o rizoma... Árvore ou rizoma, Abel ou Caim, bem, isto é outra história e outra história bíblica é sempre semente de bons casos... Opa! Minhas crônicas cumprem funções arbóreas ou rizomáticas? Deixem-me pensar. Prometo respostas no exame dos irmãos, filhos de Adão e Eva.

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