domingo, 11 de maio de 2025

ZÂMBIA PRECISA MELHORAR!

Legislação na Zâmbia é insuficiente para proteger cidadãos albinos - ONU

LUSA
14-04-2025 19:12h


A ONU alertou hoje que a legislação na Zâmbia é insuficiente para proteger cidadãos com albinismo, pois não existe criminalização para a posse de partes de corpos pertencentes a pessoas com esta condição.

O relatório "Acesso à justiça para pessoas com albinismo: Desafios e soluções na Zâmbia" é um trabalho conjunto dos grupos de albinismo da Zâmbia, explicou o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) na divulgação do trabalho.

Segundo o estudo, embora existam "leis no país que podem ser usadas em relação" a ataques contra albinos, a investigação apresentada mostra que não existe nada que "criminalize a posse de partes do corpo pertencentes a uma pessoa com albinismo".

Além disso, de acordo com o documento, "não existe nenhuma lei que proíba os feiticeiros e curandeiros tradicionais de usar partes do corpo humano, incluindo cabelo ou unhas, seja de uma pessoa viva ou morta".

Neste país de 19 milhões de habitantes, em que em 2010 cerca de 25.324 eram albinos, as pessoas com esta condição "são alvo de ataques com base na sua cor diferente", alertou o estudo que diz que isso "constitui uma discriminação racial".

Essa diferença de cor fez com que surgissem falsas crenças e as pessoas albinas são sujeitas a ataques físicos e verbais, lamentou.

"Algumas pessoas acreditam erradamente que as partes do corpo de pessoas com albinismo podem trazer boa sorte ou riqueza se forem usadas em práticas rituais. Isto faz com que as pessoas com albinismo sejam sujeitas a raptos, mutilações e assassínios, atos que constituem frequentemente uma violação de vários direitos, incluindo o direito à vida, à dignidade, à integridade física, à liberdade, à igualdade e à não-discriminação", alertou.

Por sua vez, segundo a investigação, esta discriminação é também visível na violação dos direitos à educação, emprego e saúde.

Por exemplo, embora existam alguns esforços para fornecer protetor solar gratuito às pessoas com albinismo, incluindo a Agência da Zâmbia para Pessoas com Deficiência, muitas organizações afirmaram que continua a ser difícil obtê-lo e que, por vezes, é entregue fora de prazo ou em quantidades insuficientes.

De acordo com o relatório, estas pessoas podem ser consideradas portadora de deficiência e, assim, "não estão completamente desprovidas de proteção legal".

No entanto, a investigação verificou que o quadro jurídico nacional na Zâmbia "fica aquém da proteção adequada dos direitos das pessoas com albinismo" e não "protege de forma abrangente os seus direitos".

Por outro lado, o estudo mostrou ainda que, "mesmo quando existem leis relevantes em vigor, estas não são devidamente aplicadas para garantir o pleno acesso à Justiça".

Assim, é recomendada "a incorporação na legislação nacional da Zâmbia os instrumentos internacionais e regionais relevantes em matéria de direitos humanos, a fim de garantir que tais disposições sejam aplicáveis".

O relatório frisou que não existem registos oficiais de todos os casos que foram apresentados à polícia, ao sistema judicial ou a qualquer outra autoridade na Zâmbia, nação vizinha de Moçambique. No entanto, entre 2015 e 2021, a ONU registou 11 casos de ataques.

O albinismo é uma doença genética rara, não contagiosa, caracterizada por uma falta de pigmentação de melanina na pele, no cabelo e nos olhos.

Os curandeiros africanos podem chegar a gastar mais de 70 mil euros por cada órgão de uma pessoa albina. A profanação de sepulturas é também uma realidade, para se saquearem as ossadas de albinos enterrados.

AÇÃO SOLIDÁRIA EM ANGOLA

Associação angolana de médicos leva cuidados de saúde a centenas de albinos no Bié

Publicado a: 05/05/2025 - 17:29

O albinismo afecta aproximadamente uma em cada 5 000 pessoas no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Em Angola são cerca de 7 000 pessoas, segundo as autoridades locais. A associação Lumina Africa promoveu uma acção solidária de cuidados médicos, no início de Maio, na província do Bié, município do Andulo, no centro sul do país.
Cerca de 7 000 pessoas são portadoras de albinismo em Angola. Aqui, a associação lumina Africa leva a cabo uma acção solidária de cuidados médicos no município de Andulo, na província de Bié, em Angola. © Regiane Silva, médica e voluntária na associação Lumina Africa

Na semana passada, nos primeiros dias de Maio, uma equipa de médicos da associação Lumina África, em parceria com a associação volta a Africa, viajou até ao Bié, no município do Andulo, centro de Angola, para realizar uma acção solidária junto de pessoas com albinismo.

As consultas beneficiaram a uma centena de crianças e de adultos com albinismo, entre os quais foram diagnosticadas 12 suspeitas de cancro da pele.

Regiane Silva, médica de clínica geral, especializada em albinismo, lidera este projecto voluntário que juntou uma equipa de médicos, enfermeiros, cirurgiões e fisioterapeutas da Lumina África.

RFI: Como chegaram a diagnosticar as doze suspeitas de cancro da pele?

Regiane Silva: Não é a primeira vez que vamos até ao Andulo, na província do Bié. Fomos pela primeira vez em 2022, atendemos também centenas de albinos. Antigamente, aqui em Angola, as pessoas falavam que era feitiçaria, essas coisas místicas. Mas são simplesmente pessoas normais que têm um distúrbio da ausência de melanina no corpo, na coloração da pele. O albinismo é genético. Geralmente um dos pais tem um gene que acaba predominando e a criança sai albina. Fica com os olhos muito sensíveis e a cor da pele super clarinha porque tem ausência parcial ou total de melanina.

O diagnóstico que fizemos não é definitivo. Essas pessoas foram encaminhadas para o Hospital de Oncologia, porque lá no Andulo o hospital municipal não tem essa condição. Se não houver um oncologista no hospital provincial, eles vão mandar para o oncologista aqui de Luanda. O oncologista vai fazer as avaliações de acordo com as nossas observações, ou seja 70 a 80% de probabilidade de se tratar de cancro da pele.

RFI: Em que estado de saúde é que se encontravam as pessoas que atendeu, como é que as sentiu?

Regiane Silva: Quando são crianças, a gente consegue olhar e ver se está sendo bem tratado. É mais fácil. As doze pessoas a quem fizémos esse diagnóstico de possibilidade de cancro são pessoas adultas, com a pele quase queimada. Eles são muito sensíveis, tanto à luz solar, como a certas luzes interiores que lhes são desaconselhadas.

As crianças que eu encontrei estão com uma qualidade um pouco melhor do que da última vez que lá estive. Muitas delas usam chapéu. Os adolescentes e adultos é que por vezes apresentam estados bem deteriorados. E sobretudo nessa zona de Angola, em que eles trabalham muito na área de agricultura e expõem-se à luz solar.

Muitas vezes não têm dinheiro para ter hidratantes, protectores solar, protectores labiais e nota-se pela deterioração do aspecto físico ao longo da idade, ele enfraquece quando a pessoa não tem a condição básica mínima. Trouxémos connosco vaselina, e um equivalente de protectores solares, que desta vez não tínhamos recebido como donativos.
Cerca de 7 000 pessoas são portadoras de albinismo em Angola. Aqui, a associação lumina Africa leva a cabo uma acção solidária de cuidados médicos no município de Andulo, na província de Bié, em Angola. © Regiane Silva, médica e voluntária na associação Lumina Africa

RFI: O facto de serem associações, através de acções solidárias, que trazem produtos e cuidados junto das populações com albinismo, revela que as iniciativas governamentais são insuficientes nessa área?

Regiane Silva: O importante, e é o que temos feito, é conscientizar, é informar as pessoas, porque pensam que basta protector solar. Mas o salário mínimo aqui são 70.000 kwanzas, um protector solar na farmácia custa entre 20 a 30000 kwanzas. Imagine uma família com cinco pessoas...

RFI: Como é que fazem nesse caso, se não têm apoios governamentais para facilitar a compra, por exemplo, através de subvenções?

Regiane Silva: Não há. Por isso é que a minha organização Lumina Africa apoio a causa dos voluntários. Tenho trabalhado com uma farmácia que nos prometeu acesso a óculos graduados, mas ainda não consegui um oftalmologista que faça consultas gratuitas. Aqui nós vivemos em um mundo extremo, onde um é muito, outro é nada. Ninguém vai para essas regiões recuadas prestar apoio.


Cerca de 7 000 pessoas são portadoras de albinismo em Angola. Aqui, a associação lumina Africa leva a cabo uma acção solidária de cuidados médicos no município de Andulo, na província de Bié, em Angola. © Regiane Silva, médica e voluntária na associação Lumina Africa

RFI: Em Angola, já não se morre por albinismo, mas ainda há casos, nalgumas províncias angolanas de bébés com albinismo que foram mortos no acto de nascimento.

Regiane Silva: Sim, é verdade. Alguns, quando não são mortos no acto do nascimento, mesmo aqui em Luanda, são abandonados, porque algumas famílias ainda têm a ideia de que são bruxos, de que é feitiçaria. Outras acreditam que o albinismo é contagioso e recusam aproximar-se das pessoas com albinismo.

Eu já estive em quase todos os países de África, trabalhei na Nigéria, estive na Etiópia, que também tem um grande preconceito por falta da informação sobre albinos. E vejo que hoje em Angola existe menos preconceito à volta desta doença. Ainda existe, mas tem diminuído. Talvez porque hoje haja mais acesso à televisão. A informação acaba mudando um pouco os hábitos.

A médica Regiane Silva e a equipa da Lumina Africa voltarão ao Bié, ao município do Andulo, em outubro de 2025. O albinismo é uma patologia que toca todos os seres vivos: seres humanos, plantas e animais.