segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

CAIXA DE MÚSICA 352

Roberto Rillo Bíscaro

Indra Rios-Moore tem nome de divindade indiana e é filha de porto-riquenha e afro-sírio-americano, baixista de jazz. Estudou vocalização lírica, participava de acampamentos, onde se praticava música balcânica e cresceu na multicultural Nova Iorque.
A Grande Maçã é tão madura de oportunidades pra quem as busca, que, enquanto trabalhava como garçonete, Indra conheceu o saxofonista de jazz dinamarquês Benjamin Traerup. Logo estavam casados e desde então, a moça vive a chata vida de se dividir entra a Nova Roma e a pobre Escandinávia. Seus músicos de apoio são todos da região, onde faturou prêmios e excursiona sempre.
A aderente mania de catalogar, enquadra Rios-Moore como cantora de jazz, mas seu som aglutina muito mais que apenas o que se convencionou imaginar como clichê jazzístico. Claro que há muito saxofone – uma das marcas de certa facção do subgênero – e sua divisão no cantar é de grande do jazz, porém, seus dois álbuns aventuram-se com muita competência até por terrenos art-rock, conseguindo transformar em seu, clássicos de alguém tão personalista quanto David Bowie. E, caso você não conheça como o Camaleão inovou em seu auge, acredite, o que Indra fez é muita coisa. Presente no álbum Heartland (2015), até predatou o canto de cisne de Blackstar.
O onipresente sax do maridón sueco introduz o esparso início de Heroes, que Rios-Moore despiu e deixou praticamente irreconhecível a não ser que você entenda a letra. Embora haja elementos de free jazz, aquilo tem art-rock no DNA.
A moça é atrevida. A versão de Money, do Pink Floyd, mantém a estrutura melódica, especialmente no baixo e na guitarra acentuadamente mais bluesy. Mas, Indra também resgatou a canção pra si. Não é o caso de procurar melhores, mas de reconhecer que a cantora nos apresentou outra grande possibilidade de desfrutar do clássico de Dark Side Of The Moon.
Território de jazz tradicional só mesmo o encerramento Solitude, que volta ao Duke Ellington, dos anos 1930. Talvez por influência da mãe latina, Indra tenha tido contato com boleros e isso se traduz em Hacia Donde. Por qualquer língua e subgênero que tateie, a norte-americana se sai bem, até mesmo cantando em algum idioma africano, em Oshun.
From Silence pode agradar quem ama folk, alt country e o sentimento spiritual, entre gospel e R’n’B, está em números como Little Black Train, Your Long Journey e Blue Railroad Train.
Com voz tão educada e expressiva, os arranjos têm mesmo que evidenciá-la e a releitura de What Becomes Of a Broken Heart é tão esparsamente sublime que lembra a intensidade quieta das Trinity Sessions, dos Cowboy Junkies, que completa 30 anos. Indra Rios-Moore está na mesma liga de bambas como Lizz Wright e Margo Timmins.
Conta-se que Heartland foi gravado em três dias, um mês após a morte da mãe, da qual Indra cuidou por muito tempo. Carry My Heart saiu este ano e seu pontapé veio também de uma situação de tristeza pra norte-americana. No dia seguinte à eleição de Donald Trump, um afroancião percebeu que Indra estava desolada na rua. Acercando-se, deu-lhe um abraço, do nada, e garantiu-lhe que tudo ficaria bem, afinal já haviam passado por coisa pior.
O clima de conforto espiritual deve ter influenciado no tom gospel/spiritual de várias escolhas no repertório, como a abertura, que batiza o álbum, além de Keep On Pushing (tem até coro de haleluia) e Come Sunday, que tem o arranjo mais ousadinho, num álbum cujas melodias são mais lineares, o que não significa queda na qualidade. Pelo contrário, o caráter esparso de quase tudo, realça o espantoso vocal de Rios-Moore.
Seria bem mais correto e descritivo rotular o trabalho de Indra com o abrangente “Americana”. Carry My Heart tem baladona soul em Don’t Say Goodnight (It’s Time For Love) e acenos para o country, em Give It Your Best e para o folk à Indigo Girls, em Be Mine. I Loved You é a coisa mais tradicionalmente jazz de um álbum que também tem covers de Creedence Clearwater Revival (I Can See Clearly Now) e Steely Dan (Any Major Dude Will Tell You). Love Walked In soa como valsinha jazzificada à Billie Holiday.
Muito maior do que qualquer tentativa de reduzi-la a um subgênero, Indra Rios-Moore é uma das grandes vocalistas da atualidade; esse é o único mínimo comum sobre ela.

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